Influenciado
por avós absolutamente peculiares e encantando na adolescência com a escrita de
Kafka em A metamorfose, Gabo nasceu na América Latina, com todas as suas cores,
amores e dissabores, nasceu na Colômbia, tão pobre sendo rica, nasceu em
Arataca conhecendo desde cedo a força do imperialismo americano. Gabo entendia
desde criança como funcionava a política estadunidense de fazer da Latinoamerica
o seu quintal.
Sou
uma pessoa que gosta de livros e autores e vim aqui falar de um dos maiores.
Vim falar de Gabriel Garcia Marquez, um dos nomes mais famosos da América
Latina, escritor brilhantemente premiado em vários países, tendo seus livros
traduzidos para línguas em todos os continentes, e com mais de dez histórias
que se tornaram filmes. Gabriel Garcia Marquez que escrevia para os amigos e
escrevia de memória. Gabo, maior nome do realismo mágico na América Latina e no
mundo. Gabo, que foi escrever por obrigação e que certa vez escreveu: "o
ofício do escritor é talvez o único que quanto mais se pratica mais difícil
fica". Gabriel Garcia Marquez foi ao meu ver, uma das vozes mais
eloquentes (tanto em livros quanto em discursos - que ele odiava fazer) das
sofrências e querências da América Latina, desde os desertos áridos do Chile,
passando pela pobreza boliviana e chegando aos mexicanos sonhadores de um
futuro melhor na América Anglo-saxã.
Foi
interessante ver a repercussão da morte de Gabo na mídia. A Rede Globo, por
exemplo foi aos EUA mostrar como aquele país reagiu a morte do escritor. Gabo
nasceu na Colômbia, viveu boa parte de sua vida no México (vivia lá até sua
morte) e sempre uma relação de grandes afetos com Cuba. Dos EUA Gabo foi
convidado a retirar-se por sua conduta socialista. A Globo não foi ao México, a
Cuba ou a Colômbia, se Macondo existisse de fato, a emissora não teria ido lá
também. A ironia de tudo isso é que Gabo é um desses escritores que reflete em
sua trajetória (com paradoxos, paixões, contradições) as várias facetas da
América Latina. Seja o convívio com as grandes empresas estrangeiras que vieram
a nós retirar nossas riquezas e aprofundar nossas pobrezas, seja a atração
sempre complicada com o socialismo e os ditadores latino-americanos, seja o
desejo de liberdade e emancipação deste continente.
Gabriel Garcia Marquez refletia em sua vida e
em sua obra muitas da indiossincasias de um apenas mais um latino-americano:
viveu na Europa (numa época em que era fundamental a uma boa educação viver na
Europa); apaixonado por cinema, participou de escolas de cinema na Europa e
teve a oportunidade de aprender com diretores como Wood Allen e Akira Kurosawa;
foi correspondente internacional; participou de grupos literários e mudou-se
constantemente de cidade pra cidade na Colômbia. Em torno dele haviam várias
críticas a sua posição política socialista, os críticos diziam que ele só
queria publicidade ao unir sua imagem a pessoas como Fidel Castro, os amigos
dizem que Gabo de fato acreditava no socialismo e no íntimo era um idealista. O
fato é que Gabo sempre associou sua imagem ao socialismo e por razões como essa
foi convidado a retirar-se dos EUA quando era correspondente lá. Outro aspecto
interessante sobre isso é a escrita do livro O outono do patriarca (considerado por ele seu melhor livro), que
conta a história de solidão e paranóias que acompanham um ditador sanguinário
latino americano. Alguns se perguntam: Gabo descrevia a vida de seus amigos ditatoriais?
Eu não sei te responder. Posso te dizer que o livro é sim de fato maravilhoso!
Uma das melhores histórias do colombiano.
O
México acabou por se tornar outra pátria de Gabo, o lugar, onde em suas
próprias palavras, ele encontrou o sossego que a publicidade de seus livros e
suas posições políticas não o deixavam ter em outros lugares. A Colômbia sempre foi a sua pátria, o espaço
de pertença de que um momento pra outro ficou pequeno para o jornalista que
vinha de uma cidade desconhecida e escrevia textos jornalísticos que
impressionavam e depois enveredou pelo conto e pelo romance. Um jornalista que
não queria escrever, mas gostava de contar histórias. Muitas delas aprendidas
com o avó em Arataca. A Colômbia tornou-se mítica na prosa de García Márquez, e
estava em seus livros, suas pequenas vilas descritas, suas convenções sociais e
sua gente pintada com capricho por um gênio da literatura que fez a Colômbia
conhecida não apenas como um país de café e FARC.
Gabo
publicou crônicas, livro-reportagem, contos e romances que tinham como
personagem de fundo a América Latina. Recebeu inúmeras premiações, entre elas o
Prêmio Nobel pelo conjunto da obra na década de 1980. Em 2002, o escritor
publicou suas memórias no livro "Viver
para Contar": sua infância com os avós, adolescência com os pais, a
juventude, Arataca, Barranquilla, Cartagena, Europa... A vida do colombiano nos
foi desnudada, ou pelo menos a vida como
ele recordava. Esperava-se uma segunda parte que não saiu em virtude da
demência senil que acometeu o escritor após seu longo tratamento contra o
cancêr. Desde então Gabo não escreveu mais, pois só escrevinhava o que
recordava. Em 2011 foi lançado o livro "Eu
não vim fazer discurso", um coletânea de maravilhosos discursos de um
escritor que odiava fazê-los.
Antes
de todas essas coisas, Gabriel foi um latino americano feliz apesar de todas as
circunstâncias, a ele não estava fadada cem anos de solidão.
Em
um maravilhoso momento chamado a falar sobre o mundo ele discursou:
"E ainda assim, diante da opressão,
do saqueio, do abandono, nossa resposta é a vida. Nem os dilúvios, nem as
pestes, nem a fome, nem os cataclismos, nem mesmos as guerras eternas através
dos séculos e séculos conseguiram reduzir a vantagem tenaz da vida sobre a
morte. Uma vantagem que aumenta e se acelera: a cada ano há 74 milhões de
nascimentos a mais que mortes, uma quantidade de vivos suficientes para
aumentar sete vezes, a cada ano, a população de Nova York. A maioria deles
nasce nos países com menos recursos, e entre eles, é claro, os da América
Latina. Enquanto isso, os países mais prósperos conseguiram acumular um poder destruição suficiente para
aniquilar cem vezes não apenas todos os seres humanos que existiram até hoje,
mas a totalidade de seres vivos que passaram por este planeta de infortúnios.
Num dia como o de hoje, meu mestre William
Faulkner disse neste mesmo lugar: "Eu me nego a admitir o fim do
homem". Não me sentiria digno de ocupar este lugar que foi dele se não
tivesse a consciência plena de que, pela primeira vez desde as origens da
humanidade, o desastre colossal que ele se negava a admitir há 32 anos é, hoje,
nada mais que uma simples possibilidade científica. Diante deste realidade
assombrosa, que através de todo tempo humano deve ter parecido uma utopia, nós,
os inventores de fábulas que acreditamos em tudo, nos sentimos no direito de
acreditar que ainda não é demasiado tarde para nos lançarmos na criação da
utopia contrária. Uma nova e arrasadora utopia da vida, onde ninguém possa
decidir pelos outros até mesmo a forma de morrer, onde de verdade seja certo o
amor e seja possível a felicidade, e onde as estirpes condenadas a cem anos de
solidão tenham, enfim e para sempre, uma segunda oportunidade sobre a
terra."
Este texto é da convidada especial , Profª. Ailma Cintia Barros, que o escreveu como uma fiel amante das obras de Gabo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário